Pular para o conteúdo

A ALIANÇA
de Luiz Fernando Veríssimo

Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora.

Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco. Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão.

Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa.

Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
– Você não sabe o que me aconteceu!
– O quê?
– Uma coisa incrível.
– O quê?
– Contando ninguém acredita.
– Conta!
– Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
– Não.
– Olhe…

E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
– O que aconteceu?

E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
– Que coisa – diria a mulher, calmamente.
– Não é difícil de acreditar?
– Não. É perfeitamente possível.
– Pois é. Eu…
– SEU CRETINO!
– Meu bem…
– Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.
– Mas, meu bem…
– Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem vergonha!

E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações.

Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:
– Que fim levou a sua aliança? E ele disse:
– Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.

Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.
– O mais importante é que você não mentiu pra mim.

E foi tratar do jantar.


Alienam-se os ímpios desde a madre;
andam errados desde que nasceram,
proferindo mentiras.

Salmo 58.3

www.SitedoPastor.com.br

 

 

Fonte: As mentiras que os homens contam.
Editora Objetiva – www.objetiva.com.br

1 comentário em “A aliança”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.