OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE
Êxodo 21, 22 e 23
“OLHO POR OLHO DENTE POR DENTE” foi o título escolhido para este esboço de sermão em razão da confusão que muitos fazem com este princípio bíblico.
Obs.: Em razão da complexidade deste assunto, decidimos postar alguns recortes do artigo OLHO POR OLHO: A LEI DE TALIÃO NO CONTEXTO BÍBLICO, do Dr. Mauro Fernando Meister, doutor em Literatura Semítica pela Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, professor de Antigo Testamento e coordenador do curso de Mestrado em Divindade (M.Div.) no CPAJ e um dos pastores da Igreja Presbiteriana da Lapa, em São Paulo. O artigo completo pode ser encontrado neste link: A LEI DO TALIÃO NO CONTEXTO BÍBLICO
Pano de Fundo Histórico: Existe uma impressão popular que interpreta a conduta ética de Deus no Antigo Testamento como sendo diferente daquela manifesta no Novo Testamento.
Nossa proposição é de que o Novo Testamento nunca se coloca contra a lei ensinada no Antigo Testamento e a premissa interpretativa é que o objetivo de Jesus e dos apóstolos nunca é contradizer a lei, mas confirmá-la, interpretá-la da forma correta e cumpri-la naquilo que ainda for necessário. Estas proposições têm por base um pressuposto fundamental: o Antigo e o Novo Testamentos são a revelação progressiva e orgânica de um só Deus e, portanto, não se contradizem.
O artigo do Dr. Mauro busca demonstrar que a chamada “Lei de Talião” (olho por olho, dente por dente), no contexto bíblico, é justa, serviu ao propósito de Deus naquele tempo para a vida do seu povo e deveria continuar a servir de parâmetro para a lei civil proclamada pelo Estado em seus códigos civil e penal.
Ainda que a lei civil do sistema mosaico não mais seja normativa em nossos dias, ela tem uma função pedagógica que, se refletida em nossas leis, nos permitiria viver em um contexto social mais justo.
Não só a “Lei de Talião”, mas diversas outras leis bíblicas de natureza civil deveriam servir como inspiração para a legislação aplicada pelo Estado, a exemplo da lei da proporcionalidade da restauração em crimes contra a propriedade.
É fundamental lembrar que o sistema bíblico de leis civis, ainda que concebido e aplicado a uma situação temporal particular, é um sistema construído sobre a lei moral de Deus.
1. CONCEITUAÇÃO E ORIGEM DA LEI DE TALIÃO
Qual é o conceito jurídico da Lei de Talião? A expressão vem do latim Lex Talionis (lex = “lei” e talis = “tal, de tal tipo”) e consiste na justa reciprocidade do crime e da pena. Esta lei é freqüentemente simbolizada pela expressão “olho por olho, dente por dente”.
Ainda que as penas estabelecidas e aplicadas pelo Código de Hamurabi pareçam severas e até cruéis, o princípio por trás da lei é o de trazer equilíbrio entre crime e penalidade.
O mal causado a alguém deve ser proporcional ao castigo imposto: para tal crime, tal e qual a pena.
Esse Código é o mais famoso e reconhecido código legal antigo, consagrando um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes.
2. O CONTEXTO DE APLICAÇÃO DA LEI DE TALIÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
A Lei de Talião vem pôr limites a uma desenfreada escalada de vingança desproporcional dentro do contexto histórico da narrativa do Pentateuco.
Encontramos o eco desta lei em algumas culturas do Antigo Oriente Próximo (especificamente da Babilônia antiga, no Código de Hamurabi).
Ao contrário da impressão inicial, o texto de Êxodo que registra a Lei de Talião, quando lido no contexto sócio-cultural apropriado, não ensina ou estimula a vingança violenta, mas traz um princípio regulador dentro das sociedades e culturas em desenvolvimento naquela época.
Assim, sendo um preceito de caráter moral com aplicação civil, a Lei de Talião vem responder a uma necessidade urgente de disciplinar as relações sociais diante da pecaminosidade humana. Este princípio desenvolveu-se em princípio universal que pode ser verificado amplamente em códigos penais das nações modernas.
O conceito é o de que a punição por um determinado crime ou delito não pode ser fora da proporção do ato cometido, ou seja, não se pode tomar vida por dente ou mão por olho e assim por diante.
É o princípio da proporcionalidade entre o crime ou mal causado e a pena do crime ou retribuição do mal.
Logo, o que muitos entendem ser um ato de vingança pura e simples é, na verdade, um ato de retribuição necessária, tanto como punição para o indivíduo que comete o crime quanto para o ambiente social, visando prover meios para a reeducação do criminoso e também inibir outros delitos.
Considerando que se trata de aplicação da lei aos cidadãos, deveria ser aplicada no contexto das instituições civis da época (nas tribos, associações tribais, monarquias, etc.), desestimulando assim a vingança pessoal e estabelecendo os limites da retribuição para as autoridades que aplicavam a lei e julgavam as causas de seus governados.
3. A LEI DE TALIÃO NAS PALAVRAS DE JESUS
Retomando as considerações da introdução, acerca da conduta ética de Deus no Antigo e no Novo Testamento, observa-se um entendimento frequente relativo à Lei de Talião no sentido de que Jesus teria encerrado a aplicação da mesma ao declarar: “Ouvistes o que foi dito… eu, porém, vos digo…”.
No entanto, tendo a Lei de Talião uma base moral, esta frase de Jesus precisa ser compreendida dentro do seu contexto mais amplo.
O texto aparece no Sermão do Monte, em que, por cinco vezes a mesma expressão de antítese é usada (“ouvistes o que foi dito… eu, porém, vos digo…” – 5.21, 27, 33, 38, 43), todas elas tratando de leis morais: sobre assassinato (6º mandamento), adultério (7º mandamento) e falso juramento (3º mandamento, cf. Lv 19.12; Nm 30.2;). Os dois outros textos são de caráter ainda mais extenso quanto a sua interpretação, falando dos dois grandes mandamentos: o amor ao próximo e o amor a Deus sobre todas as coisas.
Em todos os cinco casos de lei mencionados aqui, a antítese traçada por Jesus não é com a lei per se, mas com a interpretação dada à lei.
A antítese é entre o “dito” e a lei originalmente proclamada por Deus. Percebe-se que principalmente os escribas e fariseus interpretavam a lei para fazer justamente o que ela proibia.
Isto se torna bem evidente nos versos 44 e 45, quando Jesus faz o contraste entre uma interpretação maldosa da lei: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo” (lei que não existe no Antigo Testamento), e o que deveria ser feito: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”.
A Lei de Talião era interpretada não só como um direito, mas até como uma exigência social de vingança em favor da honra pessoal, familiar ou tribal.
O que Jesus demonstra é exatamente o oposto, que o espírito do homem diante do mal recebido não deve ser de desamor, ódio e rancor.
Assim sendo, podemos afirmar que Jesus não revoga o princípio moral da Lei de Talião e nem sua aplicabilidade.
O que Jesus proíbe é o tomar a vingança nas próprias mãos e “resistir ao perverso” sem buscar o devido recurso legal de aplicação da lei.
É óbvio que diante do coração pecaminoso e das relações pessoais, o uso da vingança é destrutivo e condenável por nutrir toda espécie de sentimentos” que Paulo chamará em sua carta aos Gálatas de “obras da carne” (Gl 5.19-21).
4. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DA LEI DE TALIÃO NA LEI BRASILEIRA
Como foi afirmado anteriormente, o princípio da proporcionalidade e retribuição faz-se presente nos códigos de leis contemporâneos de vários países, incluindo alguns aspectos da legislação civil brasileira.
De acordo com o Novo Código Civil Brasileiro, as penas aplicáveis são classificadas nas seguintes categorias:
a) privação ou restrição de liberdade
b) perda de bens
c) multa
d) prestação social alternativa
e) suspensão ou interdição de direitos
Não são admissíveis como penas as seguintes:
a) a morte, salvo em casos de guerra declarada
b) de caráter perpétuo
c) de banimento
d) cruéis
Observe que nas penas admissíveis encontram-se, basicamente, princípios de proporcionalidade, mas não os princípios de retribuição. Em termos práticos, isto significa que a lei busca o estabelecimento da ordem social, mas não a retribuição do crime praticado.
A anulação do princípio retributivo nas leis contemporâneas parece aumentar em função do temor da crueldade na aplicação das penas.
A história mostra exemplos de sistemas arbitrários e não democráticos, como os sistemas feudais e monárquicos europeus, nos quais a crueldade era legalizada.
É o caso do nosso código civil, que exclui a pena capital, exceto em caso de guerra, para qualquer tipo de crime, até mesmo em homicídios dolosos ou crimes hediondos. O Estado pretende resguardar a vida do criminoso em detrimento da vida que foi tomada. Até mesmo no caso destes crimes, a lei brasileira proíbe a privação de liberdade em caráter perpétuo. O temor da crueldade tornou a pena desproporcional ao crime cometido.
No mesmo sentido, no crime de roubo, a pena comumente aplicável é a privação de liberdade, na qual, quando o criminoso é submetido a trabalho, segundo a lei 6.416, de 1977, é obrigatória a sua remuneração.
Logo, além de o Estado arcar com os custos de abrigo e alimentação dos presos, ainda tem que suportar o ônus da remuneração de eventual trabalho realizado pelo detento.
Cabe lembrar que uma das consequências paralelas da privação de liberdade é o desequilíbrio do sustento das famílias dos presos durante o período de sua reclusão.
Com relação à vítima do roubo, nem restituição (caso os bens roubados não sejam encontrados) e nem qualquer proporcionalidade lhe é conferida, uma vez que o criminoso acerta as contas com o Estado e a vítima só tem como “vantagem” a segurança limitada de que, enquanto encarcerado, este criminoso não mais poderá vitimá-la.
CONCLUSÃO
Minha percepção é que, em busca de um sistema penal justo em face do crime e temendo os abusos e crueldades de modelos anteriores, o sistema legal brasileiro (assim como os de outras nações) foi passando por transformações que o afastaram cada vez mais do conceito bíblico de retribuição, proporcionalidade e restituição.
Sabemos que em tempos passados os sistemas penais aplicados no Brasil foram abusivos e desumanos. As chamadas “Ordenações Filipinas”, de Filipe II, rei da Espanha, formaram a base do sistema penal português que foi adotado no Brasil.
Entre as penas estavam a morte, a mutilação através do corte de membros, o degredo, o tormento, a prisão, o açoite e a multa em dinheiro.
Com a ascensão do conceito de direitos humanos, as penas foram transformadas. Obras clássicas como Dos Delitos e das Penas (1746), de Cesare Beccaria, propuseram a humanização das punições, banindo, inclusive, a pena de morte. Neste processo, os interesses individuais tornaram-se mais importantes que os direitos sociais e coletivos, chegando-se ao conceito de proporcionalidade limitada e praticamente a nenhum conceito de retribuição nas penas aplicáveis.
Noções como crueldade e desumanidade nunca deveriam servir de base para a constituição de um sistema penal.
No entanto, a desproporção e principalmente a falta de retributividade à conduta delituosa tornaram o crime uma atividade lucrativa, fazendo da sociedade uma vítima do seu próprio sistema.
Este, que tenta evitar a crueldade da pena e busca os direitos humanos aplicando penas privativas da liberdade, criou um sistema carcerário altamente cruel e desumano, além de um problema social imenso, tanto para o criminoso, que uma vez dentro do sistema não encontra portas de saída, quanto para sua família, que perde a condição de dignidade e sustento.
Ao que tudo indica, tanto a situação de um detento quanto a de um “exdetento” tendem à degradação, escravização, situações cruéis e marginalização social.
A Lei de Talião como princípio moral é uma necessidade para a correção dos rumos em nosso sistema penal.
Título: Olho por olho, dente por dente
Autor: Dr. Mauro Fernando Meister
Compilado pelo Site do Pastor
Data: 19/08/2021
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Aqueles que acusam a Bíblia de ensinar uma lei cruel,violenta e injusta não sabem o que falam nem interpretam corretamente este princípio bíblico:A lei do SENHOR é perfeita”(Sl 19.7a).Muitas nações modernas adotaram o princípio bíblico da “Lei de Talião” e experimentaram mais justiça social mas agora,elas se afastaram dessa lei e,por consequência,o infrator tem sido anistiado e a vítima fica sem justiça,o que contribui para o aumento do mal no mundo.
A Lei de Talião era costume dos povos da antiguidade,inclusive dos gregos e romanos,e era reconhecida como a mais alta expressão de moralidade pelo reconhecimento de que a vida só se paga com a vida.O filófoso Aristóteles chegou a afirmar que a Lei de Talião governava até o mundo do além.
A Lei de Talião nunca foi para vingança pessoal que costuma ser,quando ocorre,bastante desenfreada.Ela é para juízes que deviam aplicar a pena devida ao crime e assim impedir punições cruéis,desumanas e bárbaras.Esse princípio limita a penalidade que pode ser imposta ao infrator pois é uma decorrência dos Dez Mandamentos e mostra a preocupação divina com cada aspecto da vida de uma pessoa.
Uma punição muito dura é injusta mas também uma punição muito branda é injusta também.
Como Deus valoriza a vida,quem tira a vida cruelmente,paga proporcionalmente com a própria vida.Quem fizesse um bebê morrer no ventre da mãe,pagava com a própria vida,o que mostra que Deus considera o feto um ser humano completo!(21.22-25).
Então,eram os juízes quem garantiam que a punição correspondesse ou fosse de acordo com o crime.Exemplo:quem injuriasse outrem,pagava indenização monetária e isso impedia de a pessoa ser mutilada ou até assassinada.Se não houvesse tal princípio,afrontas entre famílias poderiam acabar em banhos de sangue.
E Deus não quer vingança pessoal:”não vos vingueis a vós mesmos,amados,mas dai lugar à ira;porque está escrito:A Mim me pertence a vingança!Eu retribuirei,diz o Senhor”(Rm 12.19).